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Vadiagem Voadora Nordestina


DESDE PARADELA ATÉ FORNOS DE ALGODRES SÃO 320KM DE TERRA, GRAVILHA, CALHAOZADA EM TRILHOS CABREIROS, CALÇADAS ROMANAS E SINGLES FECHADOS POR FALTA DE USO. SERÃO 6 LONGOS DIAS EM AUTONOMIA A TRAVESSAR SERRAS COM O OUTONO A REBENTAR, VALES PROFUNDOS ONDE VIVEM OS GRIFOS, PARQUES NATURAIS COM HISTÓRIAS DE OUTROS TEMPOS E, PARA BEM DOS NOSSOS PECADOS, TUDO O QUE SOBE À BRUTA, DESCE COM ESTILO.



dia zero

São sentimentos contraditórios os que me passam pela cabeça, sentado num autocarro a rolar quase 600km em alcatrão, que nos levam de Lisboa até a Miranda do Douro. Ainda ontem levantava um cartaz com o meu filho e gritávamos ao mundo “NÃO HÁ PLANETA B” em plena R. do Ouro até ao Rossio. Desafiei o Rui Voador, companheiro de muitos kms selvagens, tornar a nossa aventura com zero impacto no meio ambiente. Como sabemos que tal coisa não existe, fomos à procura de compensar com floresta. Para isso calculámos 600km bus + 300km comboio (na volta) + 10kg alimentação x 2 pessoas. Depois de correr um-sem-número de sites que calculam a pegada de carbono, cheguei ao total pouco rigoroso de 34kg CO2 que equivale à plantação de 20 árvores autóctones. Vai demorar tempo, mas estou convicto que é das poucas formas eficazes de de descarbonizar. Quando sair do autocarro, espera-nos 8 dias de pedal em barda e ar puro de encher o pulmão.

dia um


dia um

Para quem vem de Lisboa, Penha das Torres é o canto mais longínquo de Portugal. Foi aí que vimos o sol nascer enquanto a tenda era desmontada. É na hora mais fresca do dia que engolimos o menu matinal: cerelac do praxe com uma dose de paçó é o suficiente para 3 horas de pedal. Ouve-se o sino de Miranda a chamar a malta para a missa dominical. Paradela, Aldeia Nova, Cércio, Picote, Sendim, Urrós, Bemposta, são as aldeias do planalto Mirandês em alvoroço por causa da vindima tardia que se faz no fim de setembro, tudo em família, é o maior dos sustentos por estas bandas. A mais nova da D. Fernanda veio de propósito de Lisboa para os ajudar. Cruzamo-nos por minúsculas capelas perdidas no campo, que mais tarde nos disseram que era para as missas durante as faunas. Uma espécie de padre saltimbanco com jeito para histórias, pensei eu. No primeiro dia há sempre uma pica extra para rolar. Já vamos com 40km nas pernas e nada no estômago, mas antes do repastos temos Hora do Furo, patrocinado por Rui Henrique, o Anti-Tubeless. Picote tem gente porreira e de curiosidade aguçada, um tasco com Sagres e Super Bock ge-la-din-has. A vista para o Douro é incrível e o nosso almoço está pronto: queijo, pão e legumes vários dão energia para as lombas de terra que nos espera pela tarde. Apesar de não haver grandes planos para o destino, o @portugal.outdoor aka Rui Ribeiro deu-nos uma cenoura em forma de alheira caseira lá para os lados de Penedo da Bemposta, no Café Águia. Tudo para dar certo, portanto!


dia dois

Bola águila, Fai este suonho rial Lhieba-lo nas tues alas A ber mundo, Tierra, bida, Que sien suonho nada bale. António Bárbolo Alves (em Mirandês) —

O Francisco que partiu o pé em dois sítios e ainda está todo taralhoco, a D. Fernanda que nos tratou nas palminhas, pediu desculpa por já não ter alheiras e preparou uma tábua de enchidos de dar cambalhotas para trás, a D. Ana, vizinha, mas é como uma irmã, dá graças a Deus em todas as frases, foi a casa buscar pão para as nossas torradas, Graças a Deus!! As pessoas dão kilos de sal a uma viagem que se resume a dois quando rolamos no trilho e se multiplica pela gentes, em paragens nas aldeias. O nosso dia teve 30km úteis de trilho, 6 furos para o Rui, 1 furo para mim e uma viagem grátis a Mogadouro com o alto patrocínio do Sr. Pedro, ex-GNR, orgulhosamente proprietário de 10 hectares de oliveiras, para o Rui Campeão comprar umas doses extra de remendos para os dias seguintes. Para passar o tempo, bebi minis, lavei uma roupinha que tresandava, fiz da minha Britango um estendal e, como gosto de viver no limite, enchi os tanques com água não vigiada🤘 Faltava pouco para as 5pm quando tínhamos as condições reunidas para fazer mais uns kms e procurar um sítio épico para dormir. Dito e feito!


dia três

Esta madrugada três javalis rondaram a tenda do Rui. Alguns segundos depois de ele ter pensado que era eu (?), lá se convenceu que tinha 3 bestinhas com farfalheira a querer fazer amizade. Tem sido um fartote selvajaria enquanto rolamos pelos trilhos do planalto: gamos, raposas, sardões, perdizes, águias perdigueiras (talvez) e grifos. BUEDA GRIFOS!!! GYPS FULVUS  —  Estes meninos chegam a medir até 1 metro de comprimento e 2,7 metros de envergadura, e pesam de 6 a 12 kg. Alimenta-se quase exclusivamente de carniça, passando longo tempo a pairar alto no céu à procura de cadáveres, voando em círculos. Um de nós se sair do trilho à bruta, portanto. Há secções da GR36 que são um desafio para as pernas e para os sentidos. Não há marcações em inúmeros cruzamentos e estou certo que se não levasse-mos o gps, ainda hoje estava a esgravatar num olival. Rolámos forte o dia todo no Planalto em modo rally dos miradouros, pois era importante recuperar alguns kms que não se fez no dia anterior. No entanto há paragens obrigatórias: café duplo com tosta de queijo e duas alheiras no bolso para o almoço do chef vadio. Devia patentear as wraps de alheira com maçã e vender em barda pela Baixa aos avecs por 10€. Em terra de burros, vamos em cima de duas Nordest. Uma Britango e uma Sardinha cruzam Freixo de Espada à Cinta enquanto o diabo esfrega um olho e dás por ti a acabar o dia numa das zonas mais remotas e impressionantes do troço, a ancestral Calçada de Stª Ana. Tem tanto de mágica como trituradora de cóccix (perguntem ao Rui que ele explica). O melhor wild camping da jornada, até agora.



dia quatro

306km  70% estradão, 15% alcatrão, 10% single track, 5% where is the fuc*ing track?

Outro facto notável é ainda não me ter esbardalhado à campeão. Bem sei que ainda é cedo mandar foguetes, mas ter descido várias vezes em terra gravilhada a uns loucos 50km/h e ainda não ter falecido é um feito de realçar. Resvalar para os silvados numa curva apertada também consta no Top olha-que-chatice e até agora, nada. Não mexe! Hoje o nosso dia começou antes da luz chegar. Já não havia posição para encaixar os costados. Ontem o critério foi mais a vista que o conforto e acabei por dormir em duas lombas que me deram a volta à espinha. Estamos a chegar à zona vinhateira mais hardcore. A partir de agora vai ser vinha intensiva com apontamentos de olival e, mais raramente, amendoal. As amêndoas estão óptimas, a uva fresca e farta de doce (uma pena ir para vinho...) e se a chuva não vem rápido, segundo sabedoria local, as azeitonas ficam uva-passa. Tiramos fotos-coiso com os dois e descer um gravilhado kamikaze até Moncorvo. — Então e vindes donde? — De Paradela de Miranda. — E dormem onde? — levamos tendas connosco. — E como fazeis no Inverno? — 🤔 A posta de Moncorvo é digerida ao belo-ritmo-pasmaceira da Ecopista do Sabor — apanhei a mania dos ifens com o bom maluco do @fuidarumavolta — sempre a descer até ao Pocinho, sem parar até às águas do Douro. Lavamos uma roupinha, tiramos o maior de um corpo de três dias sem banho e frescos como uma alface mudamos de rota até ao Vale do Côa, dando por terminado a Gr36 — Grande Rota do Douro Internacional e Douro Vinhateiro. Vai uma ajudinha a esta malta para um nome de rota mais catchy?- fica o desafio ;)



dia cinco

O Ruben tem 32 anos. Há coisa de 10 foi de frente contra uma parede de bike e ia dando o badagaio. O Ruben nasceu e vive em Castelo Melhor. Quando era puto era meio destravado, meio sangue na guelra e foi ele que nos preparou e serviu o café com umas torradas, só com uma mão. A outra está meia coxa por causa do acidente. Eu fui como o Ruben quando era mais puto e por acaso não apanhei uma parede. Agora, menos parvo, uso mais o travão e preciso de que Rubens apareçam na minha vida para me lembrar disso mais vezes. Já vamos com 1h de trilho desde o cenário pós-apocalíptico que foi o nosso acampamento. As ruínas abandonadas da barragem do Côa que nunca aconteceu (e bem!!). No entanto, toneladas de estruturas em cimento e betão ficaram espalhadas pelas duas margens. Por um lado é reconfortante ver a natureza a tomar aquilo à bruta, por outro lado, desconcertante como o homem é capaz de fazer tanta merda e virar costas. — Ah não dá? Então vou brincar para outro lado... As minis de Algodres estavam à nossa espera e a fauna do Escondidinho recebeu-nos com a simpatia do costume. É um sítio que repetimos, pois está numa das portas da incrível Faia Brava. A única reserva privada em Portugal, com mais de 800 hectares exclusivamente para a conservação da natureza, com acções que se têm centrado no restauro ecológico, através da valorização dos habitats, do aumento da disponibilidade alimentar das espécies mais ameaçadas e da gestão florestal. É a sexta vez que atravesso esta reserva e voltarei sempre para um olá às vacas maronesas e cavalos garranos que por aqui pastam livremente. Descemos ao Côa para um banho e a falta de caudal é notável. Já não chove aqui a sério desde janeiro, dizem os locais. Depois de Cidadelhe ainda houve tempo para 3 furos para o Rui enquanto bebi três minis, só para compensar. É altura de largar a GR do Vale do Côa e abraçar a GR22 — Grande Rota das Aldeias Históricas e procurar lugar para dormir. Hoje o critério é conforto, pois já não temos 20 anos.



dia seis

De Cidadelhe até Marialva ali por quem passa por Juízo tem ar de ser um pulinho, mas se os trilhos tiverem minados de silvas pode ser um problema macaco (o PAN haverá de ter reservas a problemas destes...). O Rui também. Ampliou a sua conta de 10 para 15 furos em menos de 5kms e mandou a paciência para as urtigas. Perdão, silvas. Ouvi-o enviar uns fod@-se libertadores, mas não tantos como deveria, não fosse estar a desenvolver uma pequena úlcera pelo desalento pneumático. Acabou por fazer alguns kms atribulados, tanto a pé como mais tarde de caixa-aberta, valeu a bondade local. Como nem tudo são más notícias, Marialva recebeu-nos bem. O sr. Vítor à base de bifanas com jolas para empurrar o pão farto, o sr. Silva com sólidas teorias para remendar pneus, na minha opinião é forte candidato ao próximo maluco da terra e um encontro já esperado com o Fernando da @wildlifeportugal. Com sorte, somos capa da próxima edição da GR22 — Grande Rota das Aldeias Históricas, @fogecomigo. Sem grandes soluções mágicas para os pneus furados, o Rui fecha a loja mais cedo e segue para Lisboa mais cedo. Despedidas depois, sigo isolado em direcção a Trancoso. Agora sou eu, a minha Britango, por cima de terrenos minados, já a sentir do amigo, em direcção ao topo do planalto, entre os rios Douro, Côa e Mondego, aos pés do maciço da Serra da Estrela. A combinação do dia: sardinha doce com cerveja preta. Repeti!



 

GR36 — VADIAGEM VOADORA NORDESTINA É UMA JOINT VENTURE DA BICICLETA VOADORA COM A VADIAGEM QUE, DESTA VEZ, CONSISTE EM PEGAR NA BIKE E MERGULHAR DE CABEÇA NA NATUREZA DURA E CRUA DO NORDESTE DO NOSSO LINDO PORTUGAL. À NORDESTCYCLES PELA BRITANGO QUE ROCKA NAS HORAS, AO APOIO TÉCNICO DA RCICLA E À SALOMON, UM FARTO OBRIGADO!


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