top of page

Isle of Skye Trail

128 kms ligam duas das paisagens mais extraordinárias da Skye; o famoso Cuillin, a cordilheira mais acidentada da Grã-Bretanha e o cume de Trotternish, uma escarpa ondulante de colinas de basalto que caem vertiginosamente para o mar, nesta Escócia que não conhece o Verão.


Podes sair da Escócia, mas a Escócia não sai de ti

The Skye Trail É uma rota de longa distância não oficial — muitas vezes ao estilo off the beaten track — percorrendo as míticas Highlands da Escócia. O trilho cobre 128 kms de terreno difícil, incluindo montanhas espetaculares e paisagens costeiras dramáticas. Atravessa o emblemático Trotternish Ridge e também passa sob a sombra das irregulares Cuillin, as melhores montanhas da Grã-Bretanha. Há penhascos costeiros notáveis, que fogem à rota do turismo da selfie. Os trilhos íngremes acima das altas quedas de água- tanta, tanta água  - as ruínas assombradas de aldeias desertas destruídas pela impiedoso clima das Highlands. Foram 7 dias de aventura, alegria, sofrimento, partilha, amizade e puro gozo, que valeram pela vida.

Bora lá!


dia um | Rubha Hunish -  Quiraing

15.9 km | 6.5h | 589m D+

Para qualquer direção que tu olhes, vês ovelhas. Carneiros, menos — é uma espécie de remake da Islândia 2015. Para trás fica o “The Lookout”, o refúgio que no passado era a habitação remota de David J. J. Brown que, segundo os mais próximos, era anti-materialismo e amante da natureza. Bela casa para um tipo assim! Há vento, vento, vento em barda!! O terreno é praticamente sem trilho e corre próximo das bordas perigosas dos penhascos. A chuva está sempre em on e off e acompanha os nossos primeiros 16 de 128km que representa The Skye Trail.


É uma caminhada costeira em bruto, muitas vezes pantanosa. As botas estão constantemente em contacto com água e o nosso peso mais o da mochila dificulta ainda mais a progressão no trilho enlameado. Há uma passagem técnica bem íngreme e escorregadia. A Paula que o diga, pois gastou 3 das 6 baldas de toda a viagem só nessa secção. A vida selvagem não é muito visível, mas avistámos alguns Falcões-Peregrinos. Eles frequentemente atacam as numerosas aves marinhas que nidificam, incluindo Shags, Kittiwake e Fulmars. Entre os pingos, almoçamos no Loch Langaig umas cenas frias enquanto observamos a turistada a esbanjar selfies.

Langaig é um highlight dos guias e está a 100m da estrada de asfalto. Hoje o destino seria Flodigarry, mas por motivos de estratégia e pica brava inerente ao primeiro dia, avançamos mais uns kms até Quiraing, para acampar selvagem. Olha, está ali uma cena! É uma ovelha.


 

dia dois | Quiraing  - The Storr (Trotternish Ridge)

26.3 km | 9 h | 1750m D+

Quiraing faz parte da cordilheira de Trotternish, formada por um enorme desmoronamento que criou altas falésias, planaltos ocultos e agulhas de rocha do arco-da-velha. Cenário impecável para dormir com milhões de estrelas e uma inconveniente camada de nuvens entre nós e elas. Escócia... Espera-nos um dia difícil. A rota é muito exposta ao mau tempo e requer boas habilidades de trekking — não há trilho marcado para a maior parte do caminho e o nevoeiro é o prato do dia. É uma etapa muito longa e sem plano B, ou seja, tem que ser feita até ao fim, faça chuva, sol, um vento do caraças e pitadas valentes de granizo. Para dar mais sal ao processo, o piso é meio pantanoso, com turfa abundante, dificultando a caminhada com as mochilas pesadas. Tudo incrivelmente verde, para não variar. O Rotternish Ridge leva-te ao longo de uma espetacular cordilheira geológica com cerca de 30km até ao The Old Man of Storr, o grand finale. É uma das secções de montanha mais cénicas para fazer no Reino Unido, dizem alguns. E eu acredito!


 

dia três | The Storr  - Portree

15.9 km | 5h | 509m D+


Um pouco de folclore: A história mais popular relacionada com a origem do The Old Man Storr, é que a Ilha de Skye já foi gerida por gigantes, o que parece apropriado para uma região conhecida como a ilha das nuvens. O Old Man era na verdade um gigante que, quando enterrado, deixou seu polegar apontado para fora da terra, criando uma agulha monumental. Depois de um dia como o de ontem, a nossa etapa de hoje é um passeio à beira mar. São 12 km, a maior parte por cima de relva molhada (claro). Segue a linha da escarpa acima da costa, no lado leste da península Trotternish, atingindo o pico mais alto do dia a 392m. Esta é uma parte silenciosa, despovoada, sem estradas e raramente visitada na Skye, ofuscada (quase literalmente) pela imponente Trotternish Ridge do dia anterior. Terminamos o dia em Portree, num trilho circular a que eles chamam ‘The Lump’, contorna a vila por uma floresta de pinheiros escoceses e alguns rododendros até Portree Bay. Portree é a maior vila da ilha e bate convenientemente a meio caminho do trilho. Lamber as feridas, tirar o sarro com um banho, lavar roupa e fazer uma refeição decente. O dia acaba em altas a trincar o clássico Fish & Chips do Píer a ouvir música escocesa da filarmónica de Portree. Solene, dramática, arrebatadora, quase fúnebre. Não me vou esquecer tão cedo.



 

dia quatro | The Portree — Sligachan

21 km | 6h | 273m D+

Hoje começou tudo bem no céu e tudo mau na terra. Eu explico: céu com boas abertas, mas espera-nos 4km de alcatrão antes de pegar o trilho single — Arghhh prefiro chuva!!! Para grandes males, grandes remédios: estica-se o polegar e vamos à boleia com o nobre pretexto de uma intersecção cultural com povos nativos. Na muche!! Helenor e Angus, ambos forrados com a maturidade dos 80, fizeram-nos um tour autobiográfico que nos soube a pato. Em 20 minutos fomos desde as lutas contra os despejos forçados dos habitantes das Highlands durante os séculos XVIII e XIX, de modo a permitir a pastorícia de ovelhas. Highland Clearances, segundo eles. Esta limpeza provocou o abandono das terras, emigração e dispersão de muitos clãs tradicionais. O avô dos Angus foi um dos que ficou e lutou, diz ele com um orgulho imenso, sotaque escocês, cordas vocais octogenárias tramadas de entender. Nota mental: Rever o Rob Roy quando chegar a Lx. Depois da casa da avô, vira à esquerda e eis o nosso destino: o trilho para nenhures, que hoje é Sligachan.

Começa a chover.


 

dia cinco | Sligachan — Camasunary Bay (via Bad Step)

18 km | 6,5h | 530 D+ O trilho de Sligachan é um dos mais espetaculares de toda a jornada do Skye. A nossa etapa começa no vale imenso onde encaixa o rio Sligachan, 3 milhas depois da gloriosa pint no Seumas Bar, no dia seguinte. Choveu quase a noite toda com o vento a bater de lado, mas a tenda para além de ainda manter alguma dignidade, manteve-nos secos que é o que interessa. Seguimos num passo de ritmo baixo, introspectivos, rodeado de montanhas que chegam até aos 900m. Este é um dos locais mais selvagens e remotos da Escócia. Eis que se aproxima um dos momentos mais esperados do dia: The Bad Step. O “degrau” é uma laje de pedra que desce direto para o mar, um pouco impressionante para quem temer as alturas. O segredo é descer para a esquerda quando você alcança uma presa na fenda, em vez de continuar ao longo da laje. Não há mais obstáculos relevantes, e 15m depois do Bad Step chegamos ao Loch Coruisk. After all the Bad Step is not so bad. Ao redor da lochshore há picos irregulares de rocha nua e o trilho não é assim tão óbvio até ao rio Camas Fhionnairidh. A maré está cheia e a uno a forma de o atravessar é tirar as botas e dar banho até aos joelhos — mais um dejavu Islandês. Para nosso espanto, uma dúzia de veados selvagens, davam-nos as boas vindas com uma descontração impecável — momento National Geographic do dia que, não tardou em dar banho em barda. Os únicos sinais de habitação são uma pequena casa com tipologia que lembra uma capela católica e uma cabana de alpinistas, construída nos anos 50 que pertence à Trail Scotland Trust e funciona como abrigo em auto-gestão. O nosso tecto para a noite.


 

dia seis | Camasunary Bay — Torrin

22,5 km | 7 horas | 668m D+

Depois de Camasunary Bay, segue uma secção longa por um trilho pedregoso, construído pelo exército em 1960 para fornecer melhor acesso às equipas de resgate em montanhas. A chuva não parou a noite toda e teima em carregar à bruta em cima das nossas cabeças, enquanto progredimos por um trilho enlameado e penhascos vertiginosos até à água do mar. O cenário é dramático, o piso tramado, o vento bate forte na cara, já não tenho nada no corpo que esteja seco e, no entanto, não me sai o sorriso dos lábios. Paradigmas... O dia prevê-se longo em kms, mas como descobrimos no mapa que há um troço de alcatrão depois de Elgol, resolvemos fazê-lo à boleia e compensar a batota com um desvio exploratório à Spar Cave, uma gruta bastante impressionante junto à costa. Midges! Mais conhecidos por Fuck*ng Midges! Curioso que já vamos no 6° dia e só agora é que toco no assunto mais omnipresente de toda a jornada. Os Fucking Highland Midges são insectos voadores que enlouquecem os caminhantes das Highlands todos os anos, a toda a hora, do final da primavera até o final do verão. Em alguns momentos do final do dia, dava um dedo em troca de uma rede de cabeça de malha ultrafina que os locais, OBVIAMENTE!!! usam sem excepção. Gostava de saber qual seria a posição do PAN sobre isto depois de levar com Midges mais de uma semana... Voltando ao trilho: saltámos Torrin, o destino do dia, pois a ideia era dormir wild junto à costa, sem muitos vestígios de urbanidade para compensar os fartos vestígios de ovelha. A ideia parecia boa não tivesse o vento a rondar os 70km/h e a chuva sempre a bombar on/off, como se o S. Pedro tivesse a dar baile. It’s Scotland hay! Não sei se é a sorte que protege os audazes, mas encontrámos uma cova wind proof num cimo do monte. O truque é manteres-te de joelhos. Se levantas a cabeça, mudas o penteado 5 vezes em 2 segundos. Chupa, Lúcia Piloto!! Segue o ritual: montar tenda, jantar, proteger mochilas, lavar dentes, xixi, cama! Ainda não está noite cerrada quando finalmente te deitas e começa a pingar forte no toldo da tenda.

Dorme bem!

 

dia sete | Torrin — Broadford

20.5km | 7h | 550m D+

Chove. Em cada 15 minutos de chuva há uma trégua de 5 minutos em que, com um profissionalismo impecável preparamos o pequeno-almoço, arrumamos a mochila e desmontamos a tenda. Ao contrário do que seria de esperar nesta altura, o que a mochila perdeu em peso de comida, ganhou em água com as coisas molhadas. A etapa final da Skye segue um caminho bem definido que acompanha o litoral encrespado pelo vento forte. À medida que o trilho se eleva para acompanhar os penhascos, quando as nuvens dão hipótese, as vistas para o Cuillin Ridge são imponentes. Atravessamos várias comunidades abandonadas por muito tempo desde que foram queimadas no tempo que se lutavam pelas terras. Muita história de conflito na luta dos clãs contra os ricos do Sul pelas terras de pastoreio. A Isle of Skye foi governada pelo sistema de clãs durante séculos, numa mistura de tempos pacíficos e turbulentos. Os clãs mais emblemáticos foram os MacLeods e MacDonalds, desempenhando um papel preponderante na história da ilha. São inúmeros os tributos espalhadas pela ilha a esta malta. Seguimos pela costa, junto às praias abrigadas do vento, pelos penhascos com inúmeras cascatas. Enquanto o caminho segue novamente para norte em direção a Broadford, pelo último passo de montanha da viagem, cruzando uma reserva florestal protegida, uma pedreira de mármore abandonada e mais três ou quatro banhos de chuva até ao último km cair uma tromba de água para a despedida. Bloody Scotland!!! 7 dias e 130km depois, chegamos a Broadford de coração cheio, cuecas molhadas e duas pint no ar.

Cheers Mate!

F I M

Comments


bottom of page